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domingo, 31 de julho de 2011

Ouvindo FRITJOF CAPRA

Fritjof Capra: o Tao da Libertação, de M. Hathaway e L. Boff

30/07/2011,por Leonardo Boff
 
Em 2010 Mark Hathaway e eu publicamos em inglês um livro que nos tomou cerca de 12 anos de pesquisa:"The Tao od Liberation:exploring the Ecology of Transformation" (Orbis Books, N.Y.) Ele americano-canadense, pedagogo, com vários anos de trabalho no Peru e esperto em astrofísico e cosmologia e eu ecoteólogo.Foram muitos encontros seja no Canadá seja no Brasil. O livro ganhou a medalha de ouro da Fundação Nautilus que premia livros inovadoras em várias áreas do saber. Nosso prêmio foi em “Cosmologia e Nova Ciência”. Ao ler o manuscrito, Fritjob Capra se entusiasmou tanto que se ofereceu para fazer o prefácio que, como verão, é uma bela peça de reflexão. O livro sairá no início de 2012, em português, pela Editora Vozes, de Petrópolis. LB
         
           O Tao da Libertação
Explorando a Ecologia da Transformação
                Prefácio

Com o desenrolar do novo século, dois fatores vão impactar no futuro bem-estar da humanidade. O primeiro destes é o desenvolvimento e propagação do capitalismo global, o segundo é a criação de comunidades sustentáveis fundadas em praticas baseadas em eco-design.

O capitalismo global é preocupado com redes eletrônicas para transações financeiras e trocas de informações. O eco-design é preocupado com redes ecológicas e com o fluxo de energia e materiais dentro destas redes. A meta da economia global é, na sua forma atual, a maximização da riqueza e do poder das elites; a meta do eco-design é a maximização da sustentabilidade da teia da vida. Estes dois fatores estão atualmente em curso de colisão.

A nova economia, que surgiu da revolução da tecnologia da informação das ultimas três décadas, é estruturada principalmente em torno de redes de transações financeiras. Tecnologias sofisticadas de informação e comunicação facilitam a rápida movimentação de capital pelo mundo em uma incansável procura por oportunidades de investimento. Esse sistema conta com a ajuda de modelos computacionais para administrar as muitas complexidades trazidas pela rápida desregulamentação e pelo número atordoante de instrumentos financeiros.

Esta economia é tão complexa e turbulenta, o que torna impossível uma analise econômica convencional. O que nós estamos realmente vivenciando é um cassino global operado eletronicamente. Os apostadores neste cassino não são especuladores desconhecidos, mas grandes bancos de investimento, fundos de pensão, multinacionais e fundos mútuos criados com a intenção de manipular mercados financeiros. O tão chamado mercado global, em si mesmo, não é um mercado, mas uma rede de computadores programados com um único intento – fazer dinheiro; quaisquer outros intentos ficam fora da equação. Isto quer dizer que a globalização econômica tem sistematicamente excluído a dimensão ética de se fazer negócio.

Nos últimos anos, o impacto social e ecológico dessa globalização tem sido discutido exclusivamente por acadêmicos e lideres de comunidades. A análise deles diz que a nova economia está produzindo um grande número de consequências graves. Ela enriqueceu as elites globais de especuladores financeiros, empresários e profissionais de alta-tecnologia e em consequência disto aqueles que se encontram no topo da pirâmide social nunca acumularam tanta riqueza. Entretanto, as consequências para a sociedade em geral e para o meio-ambiente tem sido desastrosas; e como nós temos visto durante a atual crise financeira, a nova economia também representa um grave risco à saúde financeira de pessoas no mundo todo.

Este novo capitalismo global causou um aumento da desigualdade e da exclusão social, comprometeu instituições democráticas, teve um grande impacto negativo no meio-ambiente e alastrou o problema da pobreza e alienação. Este capitalismo ameaça e destrói comunidades locais pelo mundo afora e a sua idealização de uma infundada biotecnologia é um assalto a santidade da vida, porque torna diversidade em monocultura, ecologia em engenharia e a vida em uma mercadoria. 

É cada vez mais claro que o capitalismo global em sua forma presente é insustentável socialmente, ecologicamente, e até financeiramente, e então ele precisa ser fundamentalmente re-projetado. O seu princípio fundamental que dita que fazer dinheiro tem precedencia sobre os direitos humanos, democracia, proteção do meio-ambiente, ou quaisquer outros valores, só pode levar ao desastre. Entretanto, este princípio pode ser mudado; este princípio não é uma lei da natureza. As mesmas redes eletrônicas usadas em trocas de informações e transações financeiras poderiam contar com outros valores. O problema não é tecnológico, mas político. 

O grande desafio do século XXI é mudar o sistema de valores subjacentes à economia global para torná-la compatível com a dignidade humana e com a sustentabilidade ecológica.

Certamente, a maneiras de replasmação do processo de globalização já começaram. Em meados do novo século uma impressionante coalizão de organizações não-governamentais (ONGs) foi formada com esse propósito. Esta coalizão, também chamada de movimento pela justiça global, tem organizado uma série de manifestações bem sucedidas contra reuniões da Organização Mundial do Comércio (OMC), G7 e G8, e tem também organizado vários encontros do Fórum Social Mundial (FSM), a maioria dos quais ocorreu no Brasil. Nestes encontros as ONGs propuseram um novo paradigma para políticas comerciais, que incluem propostas radicais e concretas para uma reestruturação das instituições financeiras mundiais, o que mudaria profundamente a natureza do processo de globalização.

O movimento pela justiça global exemplifica um novo tipo de movimento político que é típico dessa nossa era da informação. Por causa do seu habilidoso uso da internet, as ONGs dessa coalizão são capazes de se comunicarem umas com as outras, divulgarem informações e mobilizarem seus membros com uma rapidez sem precedentes. Consequentemente, as novas ONGs globais se tornaram eficientes atores políticos independentes das tradicionais instituições nacionais e internacionais. Elas constituem um novo tipo de sociedade civil e global. 

Para posicionar seu discurso político dentro de uma ótica sistêmica e ecológica, essa sociedade civil e global conta com o apoio de uma rede de acadêmicos, institutos de pesquisa, grupos de reflexão e centros de estudos que tendem a operar independentemente das instituições acadêmicos tradicionais, das organizações financeiras e das agências governamentais. Atualmente, há muitos desses institutos de pesquisa e de estudos espalhados por várias partes do mundo e eles compartilham uma característica que é conduzir pesquisa dentro de parâmetros de valores centrais a todos eles. 

A maioria desses institutos de pesquisa é formada por comunidades de acadêmicos e ativistas que estão engajados em vários tipos de projetos e campanhas. Entretanto, há três grupos de problemas que parecem ser um recorrente foco de preocupação por parte dos maiores e mais ativos movimentos de classes populares. 

O primeiro é o desafio de moldar as regras e as instituições envolvidas no processo de globalização; o segundo é a sua oposição contra os alimentos transgênicos e a sua preferência pela agricultura sustentável; e o terceiro é o eco-design, que é um esforço sério de remodelar estruturas físicas, cidades, tecnologias e indústrias para torná-las ecologicamente sustentáveis. 

Design, no sentido mais lato, consiste na plasmação dos fluxos de energia e matéria para usos e propósitos humanos. Eco-design é um processo pelo qual os usos e propósitos humanos são cuidadosamente embutidos e tecidos na malha e no fluxo natural do mundo. Os princípios do eco-design refletem os princípios de organização que a natureza criou para sustentar a teia da vida – o contínuo ciclo da matéria, o uso de energia solar, diversidade, cooperação e simbiose e assim por diante. Para implementar esta noção de design nós precisamos mudar nossa atitude para com a natureza – do que podemos extrair da natureza para o que podemos aprender com a natureza.

Recentemente, temos visto um aumento considerável em práticas e projetos orientados por eco-design, os quais são agora bem documentados. Eles incluem a renascença da agricultura orgânica pelo mundo afora; a organização de indústrias em agrupamentos ecológicos, nos quais o refugo de uma se torna o recurso da outra; a mudança de uma economia baseada em produtos para uma economia baseada em ‘fluxo-e-serviço’, na qual matérias-primas industriais e componentes técnicos circulam continuamente entre fabricantes e usuários; edifícios construídos de acordo com um design que gera mais energia que a usada, que não produzem desperdício e que monitoram seus desempenhos; carros híbridos que são muito mais eficientes que os carros normais; e assim por diante.
Estes projetos e tecnologias baseadas em eco-design incorporam princípios ecológicos e então tem algumas características fundamentais em comum. Eles tendem a serem projetos em pequena escala, com muita diversidade, eficiência energética, não poluentes, orientados para a comunidade, de mão-de-obra intensiva e criadores de vários postos de trabalho. As tecnologias agora disponíveis são provas irrefutáveis que a transição para um futuro sustentável não é mais um problema técnico ou de fundamentos. Muito pelo contrario, é um problema de valores e de vontade política. 

Mas parece que esta vontade política tem aumentado significantemente nos últimos anos. Um indício notável disso é o filme Uma Verdade Inconveniente de Al Gore que teve um importante papel na sensibilização das pessoas para uma consciência ecológica. Em 2006, Al Gore treinou pessoalmente duzentos voluntários no Tennessee para palestrar a sua mensagem mundo afora. Até 2008, esses voluntários já tinham dado vinte mil palestras para dois milhões de pessoas. Neste mesmo ínterim, a organização de Al Gore, The Climate Project, treinou mais de mil outras pessoas empenhadas pela causa na Austrália, Canadá, Índia, Espanha e Reino Unido. Eles agora são vinte seis mil palestrantes que já comunicaram a mensagem para uma audiência de mais de quatro milhões de pessoas mundialmente.

Outro importante acontecimento foi a publicação do livro Plan B: Mobilizing to Save Civilization de Lester Brown, um dos fundadores do Worldwatch Institute e um dos maiores pensadores sobre o meio-ambiente. A primeira parte do livro é uma discussão detalhada sobre a interconexão fundamental dos maiores problemas que nos afetam. Ele demonstra com extrema claridade que o círculo vicioso de pressão demográfica e pobreza leva ao esgotamento de recursos – queda no nível dos lençóis d’água, poços artesianos secam, florestas diminuem, declínio dos estoques de pesca, erosão do solo, desertificação dos prados e assim por diante – e como este esgotamento, exacerbado por mudanças climáticas, produz estados falidos cujos governos não conseguem manter seus cidadãos, alguns dos quais, num estado de completo desespero, recorrem ao terrorismo.

Enquanto esta primeira parte do livro é categoricamente deprimente, a segunda – um plano de ação para salvar nossa civilização – é otimista e emocionante. Este plano de ação envolve várias ações simultâneas trabalhando em cooperação umas com as outras, e refletindo a interdependência dos problemas que elas tentam solucionar. Todas as propostas nesta segunda parte podem ser implementadas com o uso de tecnologias que nós já possuímos, e de fato, todas essas propostas são explanadas com exemplos bem sucedidos em alguma parte do planeta.

O Plano B de Brown é talvez a mais clara documentação que temos hoje em dia de que nós possuímos o conhecimento, as tecnologias e os meios financeiros para salvar a nossa civilização e para construir um futuro sustentável. 

E finalmente, a liderança e a vontade política para o desenvolvimento de uma civilização sustentável ganharam um novo ímpeto com a eleição de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos. As origens da família Obama são bem diversas tanto racialmente quanto culturalmente. O pai dele era do Quênia, a mãe dele era Norte-Americana e o padrasto dele era da Indonésia. Obama nasceu no Havaí e passou parte da infância lá e parte na Indonésia. Estas origens bem diversas moldaram a maneira que ele tem de ver o mundo; ele não tem problemas em se comunicar com pessoas de outras raças e de classes sociais diferentes. 

Como ele passou vários anos trabalhando como organizador e animador de comunidades e como advogado de direitos humanos, Obama é um excelente ouvinte, facilitador e mediador. A sua eleição remodelou a cultura política nos EUA e está transformando a imagem dos Estados Unidos no exterior e mudando a percepção que os Norte-Americanos têm deles mesmos. 

O programa político do presidente Obama representa um redirecionamento para os EUA. Os pontos principais desse programa são a rejeição do fundamentalismo de mercado, o final do unilateralismo Norte-Americano, a implementação de políticas econômicas visando o bem-estar do meio ambiente como respostas à crise mundial do meio ambiente. Obama é muito consciente da fundamental interconexão dos grandes problemas do mundo e muitos dos maiores cientistas e ativistas do planeta estão prontos a lhe ajudar na implementação desta política.

Mas algumas questões importantes ainda necessitam respostas: Porque levou tanto tempo para se reconhecer a seriedade do risco à sobrevivência humana? Porque somos tão devagar em mudar as nossas percepções, ideias, modos de vida e instituições, as quais continuam a perpetuar injustiças e a destruir a capacidade do planeta Terra em sustentar a vida? Como impulsionar o movimento pela justiça social e pela sustentabilidade ecológica?

Estas questões são centrais para este livro. Os autores, Leonardo Boff e Mark Hathaway – um do Grande Sul, o outro do Grande Norte – tem refletido muito sobre questões teológicas, de justiça e de ecologia. A resposta deles às questões acima delineadas é que o desafio maior vai além da disseminação de conhecimento e mudança de hábitos. 

Todas as ameaças que enfrentamos, na visão deles, são sintomas de uma doença cultural e espiritual afetando a humanidade. Eles afirmam que: “Há uma patologia aguda inerente ao sistema que atualmente domina e explora o mundo”. Eles identificam a pobreza e a desigualdade, o esgotamento da Terra e o envenenamento da vida como os três principais sintomas desta patologia e eles observam que “as mesmas forças e ideologias que exploram e excluem os pobres estão também devastando toda a comunidade de vida do planeta Terra”.

Para superar este estado patológico, os autores argumentam, será necessária uma mudança fundamental da consciência humana. Eles escrevem que “de uma maneira muito real, nós somos chamados a nos reinventar como espécie”. Eles se referem a este processo de profunda transformação como ‘libertação’, na mesma maneira em que este termo é usado na tradição de Teologia da Libertação; quer dizer, no nível pessoal como forma de realização ou iluminação espiritual e no nível coletivo como a procura de um povo de se libertar de opressões. 

No meu entendimento, este duplo uso do conceito de ‘libertação’ é o que dá a este livro seu caráter único, permitindo aos autores integrar as dimensões sociais, políticas, econômicas, ecológicas, emocionais e espirituais da atual crise global. 

Como Hathaway e Boff dizem no prólogo, O Tao da Libertação é a procura pela necessária sabedoria para efetuar profundas transformações liberadoras no nosso mundo. Se dando conta que esta sabedoria não pode ser encapsulada por palavras, eles decidiram descrevê-la através do uso do antigo conceito Chinês Tao (‘o Caminho’) significando tanto o caminho espiritual do individuo como a maneira de ser do próprio universo. De acordo com a tradição Taoista a realização espiritual acontece quando agimos em harmonia com a natureza. Nas palavras do clássico texto Chinês Huai Nan Tzu: “Aqueles que seguem o fluxo da natureza na corrente do Tao”.

Neste livro, a procura pela necessária sabedoria para efetuar as mudanças de uma sociedade obcecada por crescimento ilimitado e por consumo material para uma civilização equilibrada e sustentadora de toda a vida envolve duas etapas. A primeira etapa envolve compreender os obstáculos reais que bloqueiam o nosso caminho de transformação libertadora. A segunda etapa envolve a formulação de uma ‘cosmologia de libertação’ – uma visão do futuro que é, como diz Thomas Berry, “suficientemente fascinante para nos respaldar durante a transformação do projeto humano que está atualmente em desenvolvimento”. 

Os múltiplos e interdependentes obstáculos explorados por Hathaway e Boff são causados por nossas estruturas políticas e econômicas, reforçadas por uma visão do mundo mecânica, determinista e subjetiva como sentimento de impotência, negação e desespero. Os obstáculos sistêmicos externos são argumentados em grande detalhe. Estes incluem a ilusão de crescimento ilimitado num planeta finito, o poder excessivo das corporações, um sistema financeiro parasita e a tendência de monopolizar o conhecimento e impor, usando a adequada expressão de Vandana Shiva, “monoculturas de mentes”. 

Os autores explicam que estes obstáculos externos são reforçados por sistemas opressivos de educação, pela manipulação dos meios de comunicação, por um consumismo generalizado e por ambientes artificiais – especialmente áreas urbanas – que nos isolam da natureza viva. 

Para suplantar o sentimento de impotência, que pode se manifestar em várias formas como vício e ganância, negação, dificuldade de raciocínio e desespero, os autores sugerem que nós precisamos expandir a nossa percepção do ‘eu’. Nós precisamos aprofundar a nossa capacidade para compaixão, para construir comunidades, para solidariedade e precisamos acordar o nosso senso de pertença para com a Terra, e assim redescobrir o nosso ‘eu-ecológico’. Eles sugerem que nós devemos “concentrar nas coisas que realmente nos dão regozijo, que nos dão prazer – passar tempo com os amigos, fazer caminhadas ao ar livre, escutar música, ou se deliciar com uma simples refeição.” A maioria das coisas que nos dão realmente prazer, eles identificam, custam pouco ou são gratuitas.

Contudo, para realmente despertar e se reconectar, nós também precisamos um novo entendimento da realidade e um novo senso do lugar da humanidade no cosmo. Nós precisamos “uma cosmologia vital e fundamental”. Os autores usam o termo “cosmologia” no sentido de uma concepção comum de entender o universo que dá sentido a nossas vidas. Eles contrapõem a “cosmologia da libertação” que agora vai surgindo à “cosmologia da dominação”, que inclui “a cosmologia de aquisição e consumo”, que domina as sociedades modernas e industrializadas. 

Hathaway e Boff afirmam que um novo entendimento do cosmo está surgindo a partir da ciência moderna, o qual é muito parecido as cosmologias aborígenes. Entretanto, ao contrario da maioria destas cosmologias, essa nova e científica visão do mundo projeta um universo em evolução e, portanto é um paradigma conceptual ideal para as transformações libertadoras que tanto necessitamos. 

Para defender esse ponto, os autores recorrem a vários pensadores contemporâneos – filósofos, teólogos, psicólogos e especialistas em ciências naturais. Dentre a vasta gama de ideias, modelos e teorias discutidas por eles, nem todas são compatíveis entre si; algumas são “esotéricas” e definitivamente fora dos parâmetros da ciência convencional; e algumas vezes os autores extraem conclusões que vão além da ciência corrente. Não obstante, eles são admiravelmente bem sucedidos na demonstração do surgimento de um novo, coerente e científico entendimento da realidade. 

Na vanguarda da ciência contemporânea, o universo não é mais visto como um aparato mecânico composto de simples elementos fundamentais. Foi descoberto que o mundo material, em última análise, é uma rede de inseparáveis modelos de relacionamentos; que o nosso planeta é uma totalidade viva e um sistema auto-regulatório. O entendimento do corpo humano como uma máquina e da mente como uma entidade à parte está sendo substituída por outro que concebe o cérebro, o sistema imunológico, tecidos orgânicos e mesmo células como sistemas viventes e cognitivos. 

Evolução não é mais vista como uma luta competitiva por existência, mas como uma dança cooperativa impulsionada por criatividade e pela constante emergência do novo. E com essa nova ênfase em complexidade, em redes e em padrões de organização, uma nova “ciência de qualidade” está surgindo lentamente.

Os autores também argumentam, corretamente em nossa opinião, que esta nova cosmologia científica é completamente compatível com a dimensão espiritual da libertação. Eles nos lembram que, dentro da tradição cristã deles mesmos, o significado original da palavra espírito – ruha em Aramaico, ou ruach em Hebraico – era o sopro da vida. Este era também o significado original das palavras spiritus, anima, pneuma e de outras antigas palavras para “alma” ou “espírito”. A experiência espiritual, então, é primeiro de tudo a experiência de vida. A percepção central desse tipo de experiência, de acordo com numerosos testemunhos, é um profundo sentimento de unidade com o todo, um sentimento de pertença para com o universo em sua totalidade. 

Este sentimento de unidade com o mundo natural é confirmado pela nova concepção da vida da ciência contemporânea. Quando entendemos que as raízes da vida são fundadas em básicos princípios químicos e físicos, que o desenvolvimento de complexidades começou muito antes do aparecimento das primeiras células e que a vida evoluiu durante bilhões de anos através do constante uso dos mesmos padrões e processos, nós percebemos a nossa firme conexão com todo o tecido da vida.

Este entendimento de sermos conectados com toda natureza é especialmente forte em ecologia. Conectividade, relacionamento e interdependência são conceitos fundamentais da ecologia, e conectividade, relacionamento e pertença são essenciais à experiência espiritual. Então, a ecologia parece ser uma ponte ideal entre a ciência e a espiritualidade. 

Com toda certeza e razão, Hathaway e Boff defendem uma “ecologia espiritual” essencialmente preocupada com o futuro do planeta Terra e de toda a humanidade.

Eles salientam que há singulares discernimentos e abordagens ecológicas em todas as religiões e eles nos encorajam a ver essa diversidade de ensinamentos como um ponto forte e não como uma ameaça. “Cada um de nós deve verificar novamente nossas próprias tradições espirituais”, os autores sugerem, “procurar discernimentos que nos dirijam à reverência de toda a vida, a uma ética da partilha e de cuidado, a uma visão do sagrado encarnado no cosmo”. 

O Tao da Libertação também contém várias sugestões reais de metas, estratégias e políticas para a execução de ações transformativas para que possamos implementar uma sociedade justa e ecologicamente sustentável. Dois tópicos são discutidos em grande detalhe: o bio-regionalismo baseado no conceito de recuperação da conexão com a natureza no nível local; e a Carta da Terra que é “um verdadeiro sonho de liberação para a humanidade” e que tem como princípios primeiro o respeito e o cuidado para com a comunidade da vida. 

Nós estamos nos aproximando de uma encruzilhada na história da humanidade e assim os leitores deste livro vão se deparar com uma riqueza de ideias e profundos discernimentos sobre as mudanças necessárias na consciência humana e sobre as transformações radicais que devemos implementar no nosso mundo. Dentre estas ideias, a mais importante e profunda, é talvez, a ideia central do argumento dos autores. Ao invés de se ver a transição para uma sociedade sustentável primeiramente em termos de limites e restrições, Hathaway e Boff eloquentemente propõem uma nova e convincente concepção de sustentabilidade como forma de libertação.
                          
Fritjof Capra

domingo, 24 de julho de 2011

PIRATAS DA SOMÁLIA

Pirataria, quase todo mundo sabe o que é...

Quando se fala em Piratas, pensamos imediatamente no Capitão Jack Sparrow, interpretado por Johnny Depp, comandando o Pérola Negra, no filme Piratas do caribe.

Mas, e quando vemos e ouvimos nos noticiários de televisão sobre Piratas da Somália, será qu estamos falando da mesma coisa?

Acho que não. Querem saber porquê?

Então, peguem os próximos 25 minutos da sua vida e assista o vídeo que está neste link (http://dotsub.com/view/8446e7d0-e5b4-496a-a6d2-38767e3b520a) e vejam como a situação é extremamente grave para todos nós, habitantes deste pequeno planeta Terra.


terça-feira, 12 de julho de 2011

Retrocesso no ensino superior

Editorial do O Estado de São Paulo de hoje (12/07/2011).

Sob forte pressão de algumas instituições particulares sem tradição de qualidade no ensino superior, entrou na pauta de votação do Senado um projeto que autoriza faculdades e universidades privadas a contratar professores sem mestrado ou doutorado. Pela proposta, já aprovada pela Comissão de Educação, Cultura e Esportes, os professores só precisarão ter diploma superior para lecionar. O projeto é considerado um retrocesso pelas autoridades e especialistas do setor educacional, por colidir frontalmente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que está em vigor há 15 anos.

Para assegurar um mínimo de qualidade ao ensino superior, a LDB recomenda que pelo menos um terço dos professores das instituições de ensino superior tenha título de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado). Essa determinação é acatada pelas universidades públicas e por várias universidades confessionais, mas desprezada por muitas universidades privadas - principalmente as que foram criadas nos últimos anos. Alegando que não há mestres e doutores em número suficiente para lecionar nessas universidades, o relator do projeto, senador Álvaro Dias (PSDB-PR), deu-lhe parecer favorável. O argumento usado é o mesmo dos dirigentes de várias escolas particulares.

Segundo eles, haveria déficit de docentes titulados em várias áreas. "Um profissional com experiência tem muito a ensinar, mesmo que não tenha pós-graduação. Por outro lado, há aqueles que terminam a graduação e emendam com o mestrado. Que experiência têm eles para passar?", diz Ana Maria Souza, da Anhanguera Educacional. Os especialistas, contudo, afirmam que os portadores de título de mestrado e doutorado têm sólido preparo teórico e conhecimento de técnica de pesquisa e metodologia científica - competências que os portadores de diploma de graduação não têm.

Eles também alegam que o País tem 4,7 mil cursos de pós graduação stricto sensu reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC) e fiscalizados pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes). Lembram ainda que, graças às bolsas de pós-graduação concedidas pelas agências de fomento, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo e a própria Capes, o número de novos mestres e doutores vem batendo recorde ano a ano em quase todas as áreas do conhecimento.

Além disso, a titulação dos professores é levada em conta pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, que analisa as instituições, os cursos e o desempenho dos estudantes. "Se permitirmos docentes sem titulação, vamos reduzir a qualidade do ensino", afirma o secretário de Educação Superior do MEC, Luiz Cláudio Costa. Para os dirigentes de universidades públicas, se as universidades privadas enfrentam problemas para contratar docentes com mestrado e doutorado, o motivo não estaria na falta de pós-graduados em número suficiente, mas nos baixos salários. "O gargalo está nas más condições de empregabilidade que as instituições particulares oferecem", diz o professor Roberto Piqueira, da Escola Politécnica da USP.

A polêmica em torno da exigência de um mínimo de titulação dos professores universitários começou quando grandes grupos nacionais e internacionais - inclusive fundos de investimento - começaram a investir no ensino superior, adquirindo instituições de pequeno e médio portes. Além de desprezar as atividades de pesquisa e extensão, que são fortemente enfatizadas pela LDB, esses grupos - muitos dos quais com ações cotadas em bolsas de valores - demitiram os docentes mais experientes e contrataram bacharéis recém-formados, com o objetivo de reduzir custos. Para esses grupos empresariais, a educação é apenas negócio - e o projeto que o Senado vai votar parece ter sido feito para atender a seus interesses. É por isso que as universidades confessionais e as universidades privadas mais tradicionais não estão apoiando esse projeto. Para elas, sua aprovação seria um perigoso retrocesso.